sexta-feira, 29 de junho de 2012

Meu amigo Domingos




Quem puder empunhar um exemplar de Novembro de 1998 do “Informador das construções”, da mesma forma que faço agora com o meu que guardo desde os 18 anos, poderá ver a foto que ilustra este post, encimada pelo texto parcialmente reproduzido a seguir:

“De forma inédita no mundo, a resistência e aderência da argamassa de revestimento usada na construção civil foram testadas em Belo Horizonte na quinzena passada. Idealizado pelo consultor e engenheiro Domingos Sávio Lara, o revestimento feito com uma única cerâmica na dimensão 16x16 suportou o peso de um veículo de aproximadamente 860 kg – que ficou suspenso durante alguns minutos, seguro por um cabo de aço colado à cerâmica.”

Quando resolvi guardar este número da revista, jamais imaginava conhecer o Domingos, tampouco me tornar seu amigo e muito menos usar sua cadeira na Companhia onde ele trabalhou tantos anos. Cadeira essa que já foi ocupada por nomes como Guilherme Gallo e Fabrícia Passos, grandes tecnologistas de concreto e amigos muito queridos. Mas o fato é que o tempo passou e fui conhecer o homem por traz da ideia maluca de pendurar o fusca na cerâmica, para demonstrar a resistência de aderência ao arranchamento da argamassa. E 14 anos depois daquele dia ele esteve no “meu” laboratório, nos mostrou as fotos originais do evento, e contou toda a história do teste.

Ele nos confidenciou que a ideia, além de chamar a atenção do “grande público“ para as marcas envolvidas no teste (uma empresa de argamassa para revestimento, uma de argamassa colante e uma grande construtora), ele também pretendeu fazer uma espécie de protesto velado contra os requisitos normativos que, segundo ele, são excessivamente exigentes no que diz respeito à resistência de aderência da argamassa. De certa forma eu concordo com ele e devo admitir que o protesto funcionou, porque depois disso já vi um monte de técnicos dizendo: “Ora essa, 860 kg, divididos pela área de uma cerâmica de 16x16 cm dá pouco mais de 0,3 Mpa”. Ok, é apenas o que manda a norma, mas puxa vida, a norma manda pendurar um carro na parede! No fim da história ele conta que, já no final do coquetel após a apresentação, o pessoal resolveu levantar o carro de novo e deixar ele suspenso. Efeito da cerveja, talvez... E de repente o carro despencou com as quatro rodas, para o desespero do dono, um dos dirigentes da construtora...

Essa é apenas uma das muitas histórias que o meu amigo Domingos já contou pra gente, segurando um copo de café enquanto esperávamos a hora de testar uma amostra qualquer. Houve a vez em que ele precisou explicar ao guarda que aqueles pacotinhos de pó branco no porta-malas eram apenas amostras de cal. E quando teve que convencer o pessoal da revista da sala de embarque que o Esclerômetro de Shmidt não era um tipo de peça de artilharia! Em sua casa quando nos recebe para o lanche da tarde, nas obras quando a gente se encontra na beirada de uma betoneira, lá na Companhia quando nos visita, o Domingos é sempre o mesmo: Humilde, discreto, sorridente... Sua modéstia sempre escondendo o gigante que ele é no meio técnico do concreto. E, claro, sempre matando a gente de rir com as suas histórias.

Numa dessas visitas ele me encontrou de pé, na frente de um monte de paredes de alvenaria, coçando a cabeça, com cara de “não acredito”. Ele chegou perto, tocou as dezenas de amostras de revestimento, todas perfuradas de ensaios de arranchamento e disse:

_Caramba, que argamassas bonitas...
_É, mas é uma pena que não dão resistência (Eu disse).

_Oque? Você enlouqueceu? Como não dão resistência?

_É, todos esses testes deram insatisfatórios. Tanto os meus, quanto os do Laboratório terceiro. Mesmo nos traços em que eu depositava a maior esperança...
_Pois eu te provo que todas essas amostras aqui passam com sobra!

E não é que ele voltou lá? trouxe o aderímetro desenvolvido por ele (idêntico ao que eu usei, por sinal) e ensaiou seis amostras que eu escolhi, dentre as que não atingiram a resistência. E TODAS passaram. Eu estava meses atrasado com o projeto de pesquisa, já tinha testado 26 variações de traços de argamassa e o que me traiu foi uma simples serra copo. Ele me mostrou que, devido à haste longa da minha serra, eu estava gerando esforços durante o corte das amostras, que as destruíam antes de serem testadas. Ele simplesmente salvou meu dia, meu mês, meu ano inteiro...

Esse é o resultado quando se reúne experiência, competência, conhecimento técnico, humildade e amor à profissão. O Domingos chega e simplesmente resolve. Meu grande amigo! Eu, do fundo do meu coração, desejo a você toda a sorte, força e serenidade nesse momento difícil. E que você se recupere logo, volte lá no Laboratório (agora ele tá de cara nova, você vai ver) pra tomar nosso café ruim e contar pra gente tuas histórias boas.

3 comentários:

  1. Bacana demais! Texto muito bacana! Descreve muito bem meu Pai.

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  2. Prezado Leonardo! Teu pai era um motivo de orgulho para a engenharia civil deste pais. E com muito carinho que me refiro ao posto hoje ocupado aqui na Companhia pela competentissima Eg.a Daisy Bruno, como "Cadeira Domingos Savio Lara". Ele e uma lembranca constante em nossas conversas e em nossos coracoes. Forte abraco!

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    1. Que bom, também tenho muito orgulho dele, abraço a todos aí

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