Quem puder empunhar um exemplar
de Novembro de 1998 do “Informador das construções”, da mesma forma que faço
agora com o meu que guardo desde os 18 anos, poderá ver a foto que ilustra
este post, encimada pelo texto parcialmente reproduzido a seguir:
“De forma inédita no mundo, a resistência e aderência
da argamassa de revestimento usada na construção civil foram testadas
em Belo Horizonte na quinzena passada. Idealizado pelo consultor e engenheiro Domingos
Sávio Lara, o revestimento feito com uma única cerâmica na
dimensão 16x16 suportou o peso de um veículo de aproximadamente 860 kg – que ficou
suspenso durante alguns minutos, seguro por um cabo de aço colado à cerâmica.”
Quando resolvi guardar este
número da revista, jamais imaginava conhecer o Domingos, tampouco me tornar seu
amigo e muito menos usar sua cadeira na Companhia onde ele trabalhou tantos
anos. Cadeira essa que já foi ocupada por nomes como Guilherme Gallo e Fabrícia
Passos, grandes tecnologistas de concreto e amigos muito queridos. Mas o fato é
que o tempo passou e fui conhecer o homem por traz da ideia maluca de pendurar
o fusca na cerâmica, para demonstrar a resistência de aderência ao arranchamento
da argamassa. E 14 anos depois daquele dia ele esteve no “meu” laboratório, nos
mostrou as fotos originais do evento, e contou toda a história do teste.
Ele nos confidenciou que a ideia,
além de chamar a atenção do “grande público“ para as marcas envolvidas no teste
(uma empresa de argamassa para revestimento, uma de argamassa colante e uma
grande construtora), ele também pretendeu fazer uma espécie de protesto velado
contra os requisitos normativos que, segundo ele, são excessivamente exigentes
no que diz respeito à resistência de aderência da argamassa. De certa forma eu
concordo com ele e devo admitir que o protesto funcionou, porque depois disso
já vi um monte de técnicos dizendo: “Ora essa, 860 kg, divididos pela área de
uma cerâmica de 16x16 cm dá pouco mais de 0,3 Mpa”. Ok, é apenas o que manda a
norma, mas puxa vida, a norma manda pendurar um carro na parede! No fim da
história ele conta que, já no final do coquetel após a apresentação, o pessoal
resolveu levantar o carro de novo e deixar ele suspenso. Efeito da cerveja,
talvez... E de repente o carro despencou com as quatro rodas, para o desespero
do dono, um dos dirigentes da construtora...
Essa é apenas uma das muitas
histórias que o meu amigo Domingos já contou pra gente, segurando um copo de
café enquanto esperávamos a hora de testar uma amostra qualquer. Houve a vez em
que ele precisou explicar ao guarda que aqueles pacotinhos de pó branco no porta-malas
eram apenas amostras de cal. E quando teve que convencer o pessoal da revista
da sala de embarque que o Esclerômetro de Shmidt não era um tipo de peça de
artilharia! Em sua casa quando nos recebe para o lanche da tarde, nas obras
quando a gente se encontra na beirada de uma betoneira, lá na Companhia quando
nos visita, o Domingos é sempre o mesmo: Humilde, discreto, sorridente... Sua
modéstia sempre escondendo o gigante que ele é no meio técnico do concreto. E,
claro, sempre matando a gente de rir com as suas histórias.
Numa dessas visitas ele me encontrou
de pé, na frente de um monte de paredes de alvenaria, coçando a cabeça, com
cara de “não acredito”. Ele chegou perto, tocou as dezenas de amostras de
revestimento, todas perfuradas de ensaios de arranchamento e disse:
_Caramba, que argamassas
bonitas...
_É, mas é uma pena que não dão
resistência (Eu disse)._Oque? Você enlouqueceu? Como não dão resistência?
_É, todos esses testes deram
insatisfatórios. Tanto os meus, quanto os do Laboratório terceiro. Mesmo nos
traços em que eu depositava a maior esperança...
_Pois eu te provo que todas essas
amostras aqui passam com sobra!
E não é que ele voltou lá? trouxe o
aderímetro desenvolvido por ele (idêntico ao que eu usei, por sinal) e ensaiou
seis amostras que eu escolhi, dentre as que não atingiram a resistência. E
TODAS passaram. Eu estava meses atrasado com o projeto de pesquisa, já tinha
testado 26 variações de traços de argamassa e o que me traiu foi uma simples
serra copo. Ele me mostrou que, devido à haste longa da minha serra, eu estava
gerando esforços durante o corte das amostras, que as destruíam antes de serem
testadas. Ele simplesmente salvou meu dia, meu mês, meu ano inteiro...
Esse é o resultado quando se reúne
experiência, competência, conhecimento técnico, humildade e amor à profissão. O
Domingos chega e simplesmente resolve. Meu grande amigo! Eu, do fundo do meu
coração, desejo a você toda a sorte, força e serenidade nesse momento difícil.
E que você se recupere logo, volte lá no Laboratório (agora ele tá de cara
nova, você vai ver) pra tomar nosso café ruim e contar pra gente tuas histórias
boas.
Bacana demais! Texto muito bacana! Descreve muito bem meu Pai.
ResponderExcluirPrezado Leonardo! Teu pai era um motivo de orgulho para a engenharia civil deste pais. E com muito carinho que me refiro ao posto hoje ocupado aqui na Companhia pela competentissima Eg.a Daisy Bruno, como "Cadeira Domingos Savio Lara". Ele e uma lembranca constante em nossas conversas e em nossos coracoes. Forte abraco!
ResponderExcluirQue bom, também tenho muito orgulho dele, abraço a todos aí
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