No dia 05 do mês passado eu tive
o prazer de participar, pela primeira vez, de uma reunião da Comunidade da
Construção de BH. Fui representando a companhia em um evento do GETEC,
comandado pelo super carismático Arcindo Vaquero, presidente da Abesc e organizado
pela regional Minas da ABCP, com a impecável hospitalidade do Gerente Regional Lincoln
Raydan, da Patrícia Tozzini (Pólo BH) e da Amanda. Esta reunião tratava do tema
Concreto Auto Adensável (CAA) e contou com a presença de concreteiras, grandes construtoras, um projetista de estruturas, uma empresa de formas, agregados... um excelente resumo da construção civil em BH. Assim como foi em outros casos de
sucesso, como as paredes de concreto e a alvenaria estrutural, a ABESC e a ABCP
(através da Comunidade da Construção) pretendem incentivar o uso do CAA.
O tema me fez relembrar da época
em que tinha acabado de me formar no curso técnico de Edificações do CEFET-MG e
trabalhava na implantação do extinto restaurante do Aeroporto da Pampulha. Era o ano
2000 ou 2001, não me lembro bem. O fato é que um dia fui convidado para
assistir a uma concretagem experimental no pátio de manobras das aeronaves, em
frente à sala de embarque. Tratava-se de uma nova tecnologia em concreto
denominada “Agilia” (peço licença pelo uso da marca comercial, mas não imagino
como me referir de forma diferente). Era um concreto totalmente auto nivelante
e auto adensável, que dispensava o uso de ferramentas convencionais para ser
espalhado e acabado. E não era necessário vibrar, portanto foi o primeiro CAA
que conheci. Todos ficaram bastante impressionados com o comportamento
reológico do concreto e eu, ainda mais. Ele praticamente caminhava sozinho e
preenchia completamente os espaços dentro da forma a medida em que ia sendo
“despejado” do caminhão betoneira.
Jamais imaginaria que aquele
teste não havia sido totalmente bem sucedido e que o Agilia ainda levaria cerca
de 10 anos para ser completamente finalizado por aqui. Jamais imaginaria que
dali a dois anos seria convidado a trabalhar na mesma companhia que produz o
Agilia. E, com certeza, não imaginava ter sido designado como responsável pelo
desenvolvimento da tecnologia “Agilia” no Brasil, suportado diretamente pelo
nosso laboratório central em Lyon. Com a ajuda de uma pequena e excelente
equipe, principalmente pela dedicação do então estagiário de engenharia
Leonardo Soares, conduzi perto de 120 testes laboratoriais. E até o teste de
numero 74, todos haviam sido retumbantes fracassos!
O CAA, principalmente o Agilia, é
sem dúvida o concreto mais complexo que conheci. Ele reúne um conjunto de
propriedades extremamente específicas e que conflitam conceitualmente entre si.
Por exemplo, ele precisa ter uma viscosidade muito baixa, para garantir o
comportamento “vaso-comunicante” quando lançado nas formas. Mas ao mesmo tempo
ele precisa ter estabilidade perfeita, não permitindo nenhuma exsudação ou
segregação. Precisa ter estabilidade, mas não pode ter um volume de pasta muito
elevado, porque do contrário fica muito susceptível a fissuras. Não pode ter um
volume de pasta muito grande, mas requer o uso de grandes quantidades de
aditivos superplastificantes, para garantir máxima fluidez. Tem a sua fluidez superelevada
garantida pelo uso dos aditivos base PCP (Policarboxilato Poliox), mas precisa
manter esta propriedade por longos períodos, apesar destes aditivos perderem o
efeito com o tempo. E normalmente requerem resistências elevadas, obtidas com
quantidades bastante limitadas de cimento.
A escolha dos aglomerantes,
dos agregados ideais, do proporcionamento entre estes agregados, dos aditivos,
da dose ideal de cada aditivo, da forma de mistura ideal, das adições minerais
e, pior, da combinação perfeita entre todas estas e outras escolhas levou cerca
de um ano e meio de pesquisas. Mas no final, nós pudemos ver um caminhão
betoneira ser dosado com um slump flow de 740 mm, ser transportado por 20 km em
“um sol de 36° C”, ser ensaiado após duas horas e apresentar 730 mm de slump
flow e cair em uma forma de parede mantendo-se praticamente nivelado, como um
líquido. Claro que a forma abriu. Afinal, somos especialistas em concreto, mas
descobri que não sabemos nada de formas!
Tenho a impressão que, para
encher uma laje com este concreto, basta posicionar o tubo de uma bomba lança no
ponto central da forma e deixar que ele (o concreto) caminhe livremente e vá preenchendo as
vigas, uma por uma, até nivelar na espessura da laje. A intervenção manual
deverá ser mínima.
Outro dia estava em um dos andares superiores da obra de um
prédio em Pouso Alegre (Sul de Minas), conversando com o Mestre de Obras. Por
acaso a construtora é responsável pela execução dos prédios mais altos da
cidade. Como de lá podíamos visualizar a maioria destes outros edifícios, o
Mestre estava apontando cada um deles a medida que me contava uma breve estória
sobre a época em que foram construídos. Um dado momento ele apontou para o
prédio em que usaram pela primeira vez o concreto bombeável:
_“Até naquele
prédio ali, eu enchia uma laje a cada dois dias, as vezes até três. Subíamos o
concreto na ‘girica’, pelo ‘guincho’. Aí, passamos a usar a bomba e eu enchia
uma laje em um dia e ainda acabava ali pelas quatro horas da tarde...”.
Eu disse
a ele que com o CAA ele poderia um dia chegar a concretar duas lajes no mesmo
dia. Talvez três!
Porque no meu ponto de vista,
quando o CAA começar a ser usado em larga escala, a construção experimentará a
mesma mudança de conceito de quando passou do concreto convencional para o
bombeável. Porem, os desdobramentos serão ainda maiores. Tanto no que diz
respeito à qualidade, versatilidade e aparência das estruturas, à velocidade das obras e à relação com a
mão de obra, como no tocante aos cuidados e aprendizados necessários. Todos
deverão se adaptar para aproveitar o potencial da tecnologia.
As formas
precisarão ser repensadas, sobretudo quanto à estanqueidade, resistência ao
empuxo e velocidade de concretagem. O controle tecnológico deverá incorporar
novos ensaios de aceitação e mesmo os ensaios atuais serão feitos de forma
diferente, necessitando re-treinamento das equipes. Os projetistas estruturais
tenderão a usar fck maiores, mais adaptáveis ao CAA. As obras mudarão seu
planejamento, e os critérios de controle deverão ser mais exigentes. Sem falar
nas concreteiras, que precisarão repensar tudo, do método de aceitação de
matérias primas até os volumes de transporte.
Mas vale a pena. Quando soube do
interesse da Comunidade da Construção sobre o tema, fiquei bastante otimista.
Neste momento a meta é levantar os possíveis ganhos financeiros decorrentes da
aplicação do CAA. Criar indicativos de qualidade, velocidade e custo para
substanciar a idéia e mostrar para todos os benefícios reais da tecnologia. A
outra meta é buscar o “know how” de cidades como Goiânia, onde o CAA já é usado
em maior escala. Muito em breve nós estaremos nos perguntando, como
conseguíamos fazer concreto com slump tão baixo. Como não usar o CAA? Esta será
a dúvida. Assim como hoje, quando não conseguimos mais conceber o concreto sem
o processo de bombeamento. Levando dois ou três dias para concluir uma única
laje, com uma enorme fila de carrinhos de mão esperando na frente do elevador
de obra e um exército de vibradores atacando o concreto lá em cima.
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