Por
volta de 2002 eu participei de um grupo de estudos que apresentou um artigo
científico em um concurso da sociedade Mineira dos Engenheiros, SME. Éramos
todos estudantes de engenharia, liderados pelo meu amigo e colega Marcelo Singulani.
Nosso trabalho era uma espécie de espólio do concurso do Ibracon daquele ano, o
ainda vigente APO – Aparato de Proteção ao Ovo. Falava sobre o método de
dosagem para concreto de alto desempenho que usamos e os resultados obtidos.
Assim como no APO, nós não ganhamos o prêmio, mas nosso texto figurou entre
os exibidos no salão de exposições, uma espécie de menção honrosa. Na época
éramos ainda orgulhosos demais para reconhecer que nosso artigo não era assim
tão bom, como achávamos que era. Então, ficamos um pouco (!) enciumados com o
fato de que o vencedor daquele ano foi um trabalho sobre o uso de garrafas PET
pra fazer concreto. Como assim garrafas PET?!
Assim
como o tema “Concreto de Alto Desempenho” começava a ficar batido, naquela
época se iniciava um período onde a bola da vez era a tecnologia do concreto em
favor do meio ambiente, como um modo de dar destinação ecologicamente correta
para os resíduos da sociedade moderna. Esse período ainda vigora, basta
observar o grande número de trabalhos cadastrados no ultimo Congresso
Brasileiro do Concreto. Do uso de pneumáticos triturados em concreto leve,
passando por inclusão de dióxido de titânio para sequestro de carbono até o
extremamente promissor trabalho sobre as propriedades pozolânicas das cinzas de
bagaço de cana, dos meus amigos Augusto Bezerra, Flávia Spitale, Marcela Maíra
e companhia. Todo mundo sempre pensa no concreto como forma de desaparecer com
algum tipo de resíduo.
Borracha triturada de pneus, pronta para uso como agregado muido no concreto
Grandes
avanços na tecnologia de concreto foram alcançados em comunhão com a inclusão de
alguns tipos de resíduo. A sílica ativa, por exemplo, grande corresponsável pelo
surgimento do CAD, não passava de um incômodo acúmulo de fuligem nos filtros das
usinas de silício metálico. A escória de alto forno, montanhas de problema na
siderurgia, é hoje o componente mais abundante no cimento de uso mais difundido
entre as concreteiras do Brasil. E se o trabalho dos “meninos” der tão certo como
eu acredito, muito em breve a indústria sucroalcooleira poderá ser mais uma
fonte de matéria prima para o concreto, de mãos dadas com a expansão do uso de
combustíveis orgânicos, área em que o Brasil é líder inconteste. Estes resíduos se
valem das chamadas reações pozolânicas, onde a adição destes subprodutos
colabora com o cimento, incrementando a resistência do concreto ou substituindo
parte do próprio cimento e reduzindo os custos de produção.
Pneus retirados do Rio das Velhas em Santa Luzia por uma empresa de extração de areia de um amigo. Por ano são cerca de 2000 pneus só naquele porto! Este maior em primeiro plano é de um motoscraper!
Entretanto
existem também as iniciativas que envolvem resíduos inertes e, em certa medida,
até perniciosos. Eu já tive a oportunidade de participar de estudos envolvendo
resíduo triturado de construção, lascas de borracha industrial, resíduos de
lavagem de caminhões betoneira, escória de alto forno resfriada a lento e, em
breve, também estarei em contato com uma pesquisadora de Juiz de Fora que
estudará a borracha de pneumáticos. O que posso dizer sobre minha opinião neste
tema é que eu fico dividido. Por um lado acho muito boa a ideia de colocar o
resíduo da cidade na própria cidade. Nada mais justo e lógico. Por outro lado
(o meu lado ciumento e conservador), tenho sérias reservas quanto aos limites
destas iniciativas. Alguns problemas bem sérios que já observei:
·
Há resíduos, como foi o caso do entulho
de construção e do resíduo de caminhões betoneira, que possuem um índice de absorção
incrivelmente elevado. Isso aumenta sobremaneira a demanda de água ou de
aditivos plastificantes e, consequentemente, o custo;
·
Em alguns casos, o módulo de
elasticidade do concreto é muito afetado, restringindo seu uso responsável a
estruturas secundárias, usos não estruturais ou requerendo a redução do fator
a/c com aumento de custo;
·
Na maioria dos casos o problema da variação
das propriedades do resíduo com o tempo é o mais grave. Fica muito difícil acertar
os parâmetros de dosagem quando as características da matéria prima reciclada
variam toda hora. E por se tratarem de refugos de outras indústrias, é natural
que não haja cuidado com o controle de qualidade (pelo menos até que se torne
um negócio lucrativo). E com o desvio padrão maior, mais custo!
Lembro-me
que o Augusto me disse que, no caso das cinzas do bagaço de cana de açúcar, o
principal problema era a falta de controle da energia de queima do bagaço. Isso
afetaria diretamente o potencial das cinzas em contribuir com a resistência.
No estudo com o resíduo de limpeza dos caminhões a quantidade
reincorporada ao concreto, sem que houvesse a necessidade de majorar o consumo
de cimento era menor que a mínima necessária para justificar financeiramente as benfeitorias necessárias na
central dosadora de concreto. No trabalho com a escória granular, dois traços
feitos com o mesmo lote de “britas” apresentaram resultados completamente
divergentes de densidade, resistência à compressão e reologia. Com a borracha,
a deformação dos corpos de prova durante o carregamento era visível!
Então,
na minha humilde opinião, o uso de resíduos no concreto precisa ser encarado
com um pouco mais de parcimônia, um pouco menos de empolgação. Salvo nos casos
das pozolanas, que podem ser um excelente negócio, normalmente o balanço
financeiro é negativo. Os riscos com o controle de qualidade no dia a dia aumentam.
Surgem incertezas sobre o comportamento do concreto em longo prazo. Surgem
dúvidas sobre a durabilidade das estruturas e sobre o tipo de reações tardias
que podem surgir com o tempo e a interação com os poluentes ambientais. E fica
bem difícil convencer uma empresa privada a investir no uso de resíduos sem uma
contrapartida bem definida.
Acho
que a introdução de resíduos (não lucrativos) ao concreto passará a ser uma
realidade em grande escala apenas quando o fator ambiental for traduzido em
ganho financeiro. Quando as empresas forem incentivadas mais incisivamente a
manter programas deste tipo, ou seja, quando o uso de resíduos vender concreto.
O Mercado precisa valorizar de forma mais específica o concreto com reciclagem
de resíduos, seja por preções governamentais, seja por aspectos culturais da
própria sociedade. Mas se o objetivo for sempre pagar o menor preço possível,
sem considerar o valor ecológico agregado, vamos ter que continuar entupindo as nossas
lixeiras enquanto os laboratórios de pesquisa continuam mostrando que é possível
reciclar a sujeira.
Prezado Carlos, sábias as suas palavras!
ResponderExcluirA maioria das vezes, esses temas de pesquisas não alcançam sucesso tecnológico, mas contribuem para formação de pesquisadores! Que também é importante para o desenvolvimento tecnológico!
Recentemente, iniciei uma pesquisa com resíduo de borracha de pneus inservíveis com objetivo apenas de forma um aluno de curso técnico como pesquisador junior (inclusive foi ótimo, ele aprendeu a fazer quase todos os ensaios de cimenticios) e chegamos a ótimos resultados para uma situação em específico.
Estou publicando um artigo e assim que estiver publicado, eu te passo!
Parabéns pela iniciativa do blog! Estou adorando!!!
Augusto Bezerra
Boa tarde Augusto, sou fornecedor de borracha reciclada em raspa, pó e granulado.
ExcluirSe tiver interesse no material, pode entrar em contato.
Aguardo retorno.
Obrigado.
Danilo Dias
borracharecicladabrasil@gmail.com
Prezado Carlos,
ResponderExcluirSábias as suas palavras!
A maioria das vezes, essas pesquisas com resíduos não alcançam resultados tecnológicos positivos, mas contribuem para formação de futuros pesquisadores! O que também contribui para o desenvolvimento tecnológico!
Recentemente, iniciei um pesquisa com borracha reciclada de pneus inservíveis com o objetivo único de formar um aluno do curso técnico como pesquisador júnior da FAPEMIG (foi ótimo por sinal, pois ele aprendeu quase todos os ensaios de materiais cimentícios) e encontramos resultados significativos para um situação em específico! Estou publicando um artigo e assim que for divulgado, te envio!
Parabéns pela iniciativa do blog!!! Estou adorando!
Augusto Bezerra
Boa tarde a todos,
ResponderExcluirSou fornecedor de borracha reciclada em pó, raspa e granulado.
Estou a disposição.
Aguardo retorno.
Obrigado.
Danilo Dias.
borrachareciclada@gmail.com
Ora, vale um teste... Entrarei em contato! Forte abraço!
Excluirborracharecicladabrasil@gmail.com ****
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