Algo
me diz que reclamações relativas a fissuras (ou trincas) em lajes estão entre os
três mais frequentes temas nos serviços de atendimento ao cliente da maioria
das concreteiras do país. Junto talvez com a diferença de volume e atrasos de
entrega. Dependendo da época do ano, podem estar em primeiro lugar nas
estatísticas. E a maior parte destas reclamações se origina dos construtores
que têm pouco conhecimento a respeito das propriedades do concreto e têm um
conhecimento informal sobre estruturas de um modo geral.
Em
sua maioria, pessoas que estão construindo a própria casa, sem a ajuda de um
engenheiro, contando apenas com a experiência dos pedreiros e mestres de ofício
(que, diga-se, é de grande importância para o sucesso de uma obra).
Tenho
notado que quase sempre estes clientes estão temendo pela estabilidade da
estrutura, no que diz respeito à qualidade do concreto. Afinal de contas, está
tudo “trincado” não é mesmo? Isso não é uma coisa séria? Não quer dizer que o
concreto é ruim? Talvez não. Quando vamos ao médico e nos queixamos de dor de
cabeça, pode ser que estejamos sofrendo de stress, ou contraímos uma gripe
forte. Ou pode ser dengue hemorrágica. Ou pode ser coisa pior! Tudo depende das
características dessa dor de cabeça e dos demais sintomas associados. Depende
dos resultados de exames investigativos específicos que o médico prescrever. Das
condições em que nos encontrávamos quando a dor começou. Em que parte da cabeça
dói? É uma dor constante ou pulsativa? Tem febre? Onde você passou o fim de
semana? Oque você comeu? Tua chefe é a Miranda Priestly? Ok, me deixa fazer um exame
de raios-X.
Com
patologias estruturais é a mesma coisa. O técnico assume o papel do médico,
avaliando os sintomas, mas também as condições de contorno, os métodos construtivos,
a cronologia dos acontecimentos, prescrevendo ensaios novos e avaliando os
resultados existentes. Ele conversa com as pessoas envolvidas, faz medições,
compara com casos anteriores e até lança mão da literatura (porque não?) pra
decidir se aquela trinca tem mais probabilidade de ser uma simples retração de
secagem, ou se é a parte visível de uma deformação excessiva que irá levar a
laje ao colapso. Vão aqui quatro diferentes casos de fissuração, ilustrados por
fotografias coletadas em obras reais, associadas a diagnósticos totalmente
diferentes onde a simples análise da morfologia da fissura já foi suficiente
para se extrair uma conclusão:
Estas
são fissuras de retração plástica primária. São pequenas, estreitas, normalmente
menores que um milímetro, aproximadamente paralelas e normalmente
perpendiculares à direção do vento. Ocorrem nos primeiros minutos após a
concretagem e são típicas de dias quentes e concretagens próximas do meio dia.
Surgem antes mesmo que haja a possibilidade de iniciar a cura.
Aqui
temos a famosa retração hidráulica por secagem, o mesmo fenômeno que provocou
as fissurinhas da foto anterior, mas agora atuando de forma mais intensa e
duradoura. A abertura das trincas é maior que o milímetro e formam-se
polígonos. A peça já perdeu muita água por evaporação, assim como a lama no
fundo de um rio que secou com a estiagem.
Estas
são devidas à sedimentação natural que o concreto sofre após o adensamento.
Quando existem interferências muito próximas, como ferragens (notem como a
armadura ficou perfeitamente desenhada), eletrodutos, ou qualquer elemento no
interior da massa de concreto com recobrimento insuficiente. O concreto ao se
apoiar nestas interferências se dobra, causando as fissuras.
Aqui
o caso é mais grave. Talvez seja motivo de internação e até cirurgia! Fissuras
assim indicam um comportamento imprevisto da estrutura, podendo estar
associadas a sobrecarga, recalques diferenciais, movimentação precoce do
escoramento, falhas de resistência de materiais (concreto, inclusive), defeitos
de projeto, execução, etc, etc, etc.
Oque
vai definir gravidade, representatividade, abrangência, responsabilidades,
causas prováveis e solução de um quadro de fissuras em uma laje é a análise técnica.
Essa análise deve envolver todos os atores do processo. O cliente deve estar
bem informado sobre o andamento da investigação e colaborar com honestidade na
coleta de informações. E precisa também saber olhar a situação de forma global.
Como eu costumo brincar, uma vez eu fiz um bolo e ficou muito ruim. Aí eu
pensei em acionar a fábrica de farinha. Até que eu parei para pensar e percebi
que no meu bolo também tinha ovos, fermento, leite, calor, forma... e método.
Método! Puxa vida, mas eu sou um péssimo cozinheiro!
E
para aqueles que trabalham ativamente nestas análises, lidando com os problemas
no dia a dia, quero deixar a dica que aprendi semana passada em um maravilhoso
treinamento gerencial que tivemos na “minha” empresa: Quase sempre a gente vai
pensando em causas e soluções ao mesmo tempo em que avalia um determinado
problema que não domina. Aí a cada vez que surge um fato novo a gente vai
mudando de ideia e ficando cada vez mais perdido e cometendo mais erros e sendo
mais precipitado. O correto é dedicar o tempo que for necessário a, de forma
totalmente separada, primeiro avaliar o problema. Depois dedicar outro tempo
apenas a refletir sobre o que aprendeu sobre o problema. E só depois, se
concentrar em montar o quadro de propostas. Funciona.