quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Seção Peneiramento: Esdras Poty de França





É com muita alegria que divido com você, leitor do Blog do Concreto, esta sensacional entrevista com o grande Esdras Poty de França, Engenheiro Civil, Tecnologista de Concreto, Professor do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais nos cursos de Técnico em Edificações e Engenharia de Produção Civil. Um profissional muito presente e atuante no meio técnico em instituições como ABESC, ABNT, ABCP, IBRACON. Uma figura facilmente reconhecida em cada laboratório, universidade, concreteira, construtora, entidade de classe. 38 anos de dedicação à profissão. Meu mestre, que me ensinou tudo desde o primeiro corpo de prova. E o primeiro a encarar nossa “Seção Peneiramento”:

 


Peneira 4.8 – Como você começou sua carreira como tecnologista de concreto?

Em 1973, ainda estudante do Curso Técnico de Edificações, consegui um estágio no Laboratório do Eng. Mario Fox Drummond (uma referência, na época. O meu primeiro encargo foi ler um livro de normas técnicas, acredito que a minha fixação por normas está explicada. Comecei como Laboratorista no setor de ensaios de cimento, depois passei a executar ensaios de agregados e, como conseqüência natural fui para a área de concreto. Naquela época, 1975, acreditava que sabia tudo de concreto. Na ocasião fui escalado, juntamente com meu amigo Rubens Pedrosa, para acompanhar a execução das estruturas da Ponte sobre a Ilha do Príncipe em Vitória/ES, foi aí que compreendi que não é possível ser um tecnologista sem antes passar pela maior faculdade que se pode cursar: A Faculdade da Vida. No mesmo ano fui transferido para as obras da Samarco em Mariana/MG onde aprendi com os americanos da Bechtel que organização e planejamento são ferramentas essenciais no controle de qualidade do concreto, tão importante quanto o nível tecnológico. Antes mesmo de terminar o Curso de Engenharia passei a trabalhar em concreteira, fato que mudou minha visão do concreto: a partir daquele momento eu conseguia sentir, em tempo real, todas as conseqüências de minhas decisões.

 


Peneira 2.4 – Como você avalia o atual estado da tecnologia de concreto empregada nas obras em nosso país, comparando com o potencial que é desenvolvido nos laboratórios e universidades?

Quando comecei a grande maioria das obras rodava concreto em padiolas. Em 1972, meu professor de Tecnologia das Construções ensinava mistura manual do concreto, em 1973 era comum adensar o concreto dos pilares com vergalhão de aço e transportá-lo em latas. Hoje, nos grandes centros, “virar concreto em obra” já faz parte de um passado que a cada dia fica mais distante. O advento das concreteiras contribuiu de modo significativo para o desenvolvimento da tecnologia do concreto, fato inquestionável, apesar das inúmeras reclamações sobre a qualidade do atendimento. Nas faculdades, principalmente as públicas, existe um forte movimento para o aparelhamento dos laboratórios e incentivo a pesquisa nos cursos de pós-graduação. Participei das duas realidades e posso afirmar, com muita ênfase, que ainda falta uma maior integração dos dois setores. Essa integração seria extremamente benéfica para as Faculdades que poderiam identificar os reais problemas de nosso dia-a-dia e desenvolver pesquisas em conjunto com a obra no sentido de elevar e implementar soluções originais, criativas e exeqüíveis.

 


Peneira 1.2 – Dentre todas as histórias e realizações, o que você viu de mais impressionante por ai?

Ao longo de 40 anos é possível participar de projetos extremamente interessantes, cada um deles daria um artigo técnico de alto nível. Entre alguns posso destacar uma concretagem que fizemos em uma mina subterrânea que consistiu no envelopamento de uma comporta metálica que receberia uma pressão hidrostática equivalente a 30 kgf/cm2. O concreto utilizado no envelopamento deveria ser preparado em betoneira comum de obra com emprego de padiolas, não poderia apresentar nenhum nível de retração e ser dimensionado para atingir uma expansão de 5% no seu volume. O concreto deveria ser executado no nível superior da mina e lançado, por meio de um tubo, em queda livre de 300 metros de altura. Na base do tubo foi instalado um equipamento de remistura, utilizado nas minas da Africa do Sul. Após a remistura o concreto era direcionado para a bomba estacionária equipada com 150 metros de tubulação horizontal e bombeado até o local da comporta, garantindo total estanqueidade entre a comporta e as paredes laterais do túnel semi circular.

 
 


Peneira 0.6 – Como é para você a experiência de ensinar, sobretudo ao perceber que uma grande quantidade de bons profissionais aprenderam com você ou tiveram no seu trabalho fonte de inspiração?

Lecionei durante trinta e um anos e cinco meses e posso garantir, com orgulho, que mantive ao longo de todos esses anos a mesma seriedade, motivação, responsabilidade e comprometimento do primeiro dia de aula. Não existe maior realização profissional para um docente que o reconhecimento, o carinho e a gratidão de um ex-aluno. Já se passaram mais de dois anos que aposentei e, ainda hoje, nas obras, a grande maioria das pessoas me chama “professor”. Esse título é mais que suficiente para me sentir recompensado, mas ainda não suficiente para compensar o vazio de estar longe das novas gerações.

 
 


Peneira 0.3 – Quando nós nos entregamos ao trabalho com a profundidade e intensidade com que você se entrega, problemas eventualmente acontecem. Qual foi o seu momento mais difícil?

Problemas sempre vão ocorrer, por mais meticuloso, responsável e cuidadoso que seja a empresa ou profissional envolvido. Aprendi desde cedo que o concreto é um material “lógico”. A análise criteriosa e detalhada de um sintoma patológico sempre irá nos revelar a causa. Pode ser que você não consiga identificar a causa, mas ela existe, pode ter certeza. O meu momento mais difícil foi em 1977 quando ocorreu um acidente em uma grande siderúrgica, durante o transporte do aço retirado do alto-forno. O material em estado de fusão se espalhou por uma superfície de concreto e endureceu rapidamente formando uma camada de 13 cm. Os técnicos da siderúrgica furaram a camada de aço e utilizaram explosivo para fragmentar e retirar o material metálico. O impacto da explosão seccionou a laje de concreto. Na ocasião chovia torrencialmente há vários dias e o nível do lençol freático era superior ao nível da laje que rapidamente ficou inundada. A Siderúrgica interrompeu imediatamente as operações visto que o risco de explosão, em caso de novo acidente, causaria danos irreparáveis nas instalações. Na ocasião eu já estava cursando o primeiro ano da Faculdade e fui convocado para resolver o problema. Ao chegar ao local a equipe de técnicos fez a descrição dos fatos ocorridos e destacaram que cada dia de paralisação representava um prejuízo de um milhão de dólares. Era a manhã de sábado e a meta era retornar as operações na segunda. Propus a abertura de poços no entorno da laje e bombeamento da água. Essa proposta foi logo descartada visto que seria demorada e a água seria imediatamente reposta devido à chuva ininterrupta. E agora? O que fazer? De repente veio a solução. As mais simples, mais objetivas e menos onerosas, em sua grande maioria, são as mais eficientes e, nesse caso, era a solução óbvia: Retirar a água que estava sobre a laje e lançar uma nova camada de concreto com 10 cm de espessura (concreto de baixa permeabilidade). Na mesma hora ocorreu o questionamento que o nível do lençol freático estava acima dos 10 cm previstos. Sugeri, então, a execução de uma parede de concreto no perímetro da laje e aplicação do water-stop, uma chapa de aço com 25 cm de altura, com parte inserida no concreto da laje e parte inserida na parede, impedindo assim a percolação da água através da junta laje-parede. No dia seguinte executamos as ações previstas e na segunda-feira a siderúrgica já estava funcionando.

 

 


Peneira 0.15 – O que você ainda gostaria de aprender?

Terminei o Curso de Engenharia Civil em 1980 e até hoje sinto uma lacuna na minha formação: deveria ter estagiado ou trabalhado em um escritório de cálculo. Não basta conhecer os materiais utilizados em uma estrutura de concreto armado ou protendido, mas, também, como a estrutura se comporta frente as cargas e ações que incidem sobre ela.

 

Peneira 200 – Se você pudesse voltar no tempo, até o dia em que teve nas mãos seu diploma do curso técnico, o que você faria diferente?

A opção de me inscrever no Curso Técnico antes da graduação foi uma decisão acertada. O foco do Curso Técnico na formação prática de seus alunos, sem prejuízo de sua formação teórica, foi fundamental para realizar um bom Curso de Engenharia. Hoje sinto que “saber fazer” e “saber como fazer” são a chave do sucesso em nossa profissão. Com certeza, não faria nada diferente.

 

16 comentários:

  1. Ótima entrevista. Sou fã do prof. Esdras, um exemplo de profissional. Parabéns!

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    1. Tem toda a razao Flavia! Quando tive nas maos as respostas dele, nao consegui conter minha impolgacao! A unica palavra que me ocorreu foi:"Sensacional!". Ele aceitou muito generosamente a proposta do aprofundamento gradual das perguntas, como um peneiramento mesmo, nota-se pelo sentimento em cada resposta. Tambem sou fa daqueles bem tietes mesmo, hahaha! Forte abraco!

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  2. cara, espero que vc tb tenha filmado esta entrevista. Ia ficar pra posteridade...

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    1. Bruno, nao espero que me perdoe por nao ter filmado. Porque eu nao me perdoo!

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  3. Grande Carlos. Mais uma vez parabéns. Sensacional. Professor Esdras Poty de França. Como esquecer um grande professor e mestre cativante. Devo a ele tudo que sei sobre o bom e velho concreto. Uma honra ter sido aluno e colega de 2 excelentes e incomparáveis profissionais como vocês. Mais uma vez parabéns. Abraços

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  4. Grande Rafael! Somos todos farinha do mesmo saco. Um saco de excelente procedencia, devo dizer, hahaha! Sou muito grato por tua presenca constante, meu amigo!

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  5. Meu amigo..fantástico..tive o prazer de conviver com estas duas sumidades do concreto, aprendi,descobri e atrapalhei muito ambos, mas a admiração e o respeito é muito grande.
    Não saberei bem expressar em palavras minha alegria em ler esta entrevista, volto ao passado e vejo claramente a gente pegando água destilada na torneira da esquerda...
    Mestre Esdras seus ensinamentos serão sempre marca forte e presente na minha vida, somente tenho a agradecer
    Um forte abraço a você Charlie meu irmão

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    1. Meu irmao! Eu li seu comentario com o carro estacionado e nao pude conter a gargalhada quando li sua mensao a torneira de agua destilada! Assustei a menina que passava... Lembro bem de um dia desses, quando voce comentou a importancia que aqueles tempos tiveram em nossas vidas. Voce disse algo como: "Tenho pena de quem nao viveu um tempo assim". E voce tem razao. A principal prova e que nossa amizade, "cimentada" la na bat caverna de materiais, ganhou resistencia pra vida toda. Forte abraco, meu irmao!

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  6. Conheci, trabalhei, aprendi com Esdras na antiga e inesquecivel CENTRALBETON.
    Saudades e respeito ao mestre.
    Aloisio.

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    1. Caro Aloisio! Somos uns privilegiados, nao somos?

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    2. Que maravilha de entrevista,não fui seu aluno,mas sou seucontemporâneo e pude desfrutar da sua valiosa amizade,hoje revendo minha agenda de 1981,vi seu nome e resolvi acha-lo,e cheguei aqui,sou Wilson Oliveira Santos,naquela época,O Poty era muito amigo de um amigo meu Laurenio Pereira,através do qual ficamos amigos,parabenizando pela entrevista gostaria do contato dele (Esdras) se possível meu fone 61 981424292 e wsanttos.65@gmail.com. abraços

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  7. Dr. Esdras, como faço para falar com vossa excelência? Gentileza enviar vosso contato para cpaeng@uai.com.br ou nos contactar (31)3443-3777.
    Grande abraço.
    Carlos da CPA Engenharia.

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    1. Salve Xará! se o grande mestre não tiver respondido, me deixa saber aqui que passo teu número pra ele. Abraços!

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    2. Bom dia Carlos Resende! Tudo bem? Estou precisando do contato do Esdras Poty, poderia me enviar no danielpibh@yahoo.com.br
      Grato

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  8. Que saudades do meu co
    lega de ETFMG.
    DESDE 1975 NAO O VEJO

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  9. Dr. Esdras Poty de França. Grande profissional. Trabalhamos juntos na extinta concreteira Central Beton. Nunca o esqueci.

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