sábado, 27 de julho de 2013

Teor de Argamassa ideal: a correta proporção entre os agregados




Durante os últimos dois anos, eu passei uma significativa parcela do meu tempo perseguindo uma espécie de obsessão. Comprei um quadro branco, daqueles em que se usa canetas de tinta não permanente e ficava horas a fio em pé rabiscando e falando sozinho. De repente meu limitadíssimo campo cognitivo matemático pedia socorro e eu sentava na frente do laptop abusando da capacidade do Excel em traçar tendências exponenciais e aproximações por regressão linear. Aí eu jogava no lixo um maço de folhas de papel randomicamente preenchidas com equações esdrúxulas, olhava no relógio e, verificando que já era quase amanhã, trancava o laboratório e dirigia pra casa.

 
O que eu queria era uma formula, ábaco, tabela ou método, qualquer coisa que fosse capaz de predizer o “Teor de Argamassa” de um traço de concreto a partir apenas das especificações de projeto e dos valores obtidos dos ensaios dos materiais. O chamado Teor de Argamassa é uma maneira de quantificar e descrever o proporcionamento entre areia e brita de um traço. Existem outras, como por exemplo o muito usado fator B/A, um número que simplesmente divide a quantidade de Brita pela de Areia. Outra maneira é pela determinação da mistura de máxima densidade aparente, nos métodos de empacotamento de partículas.
 

Na minha modesta opinião o Teor de Argamassa é a forma mais simples e adequada de trabalhar a proporção de britas e areias. O método da máxima densidade aparente é excelente para casos especiais, mas as vezes, peca por não levar em conta aspectos importantes ligados à trabalhabilidade. O valor B/A renega a influência da presença de cimento, criando uma segunda variável que complica minha cabeça. Por isso aprendi a raciocinar o traço pelo Teor de Argamassa que é, nada mais, o percentual de materiais secos presentes no traço de concreto que não podem ser chamados de brita. Por exemplo, em 1000 L de concreto, se 20 L for espaço vazio e 200 L for água, tenho 780 L de materiais secos (cimento + areia + brita). Se desse total, 390 L for brita (metade) então eu terei 50% de argamassa, composta por areia e cimento. Podem ser várias areias e vários materiais cimentícios diferentes, incluindo as adições minerais inertes.

 

algumas das relações usadas no estudo

Ora, este valor é muito, muito importante. Ele determinará se o traço será estável, ou seja, se durante o uso seus constituintes manterão uma massa coesa, sem separação de fases. Dirá também se uma bomba de concreto será capaz de lidar com o material sem entupir ou sofrer danos. Propiciará um acabamento adequado e controlará o surgimento de alguns tipos de fissuras. Dirá quanto de água será necessário para se atingir um slump adequado e isso determina a quantidade de cimento e o custo final. Afetará, sensivelmente, o módulo de elasticidade e o módulo de ruptura à tração. Ajudará a controlar o nocivo fenômeno a exsudação ou “sangramento” do concreto. Enfim, juntamente com o fator água cimento este é um dos parâmetros mais importantes da fórmula. O problema está justamente em definir o seu valor.
 

Para o fator água cimento, temos métodos já dominados. Podemos lançar mão de experimentos de laboratório. Simplesmente posso moldar corpos de prova com diferentes consumos de cimento e descobrir o valor mais adequado para minhas especificações. Mas para o Teor de Argamassa eu nunca tinha conseguido um meio objetivo de definição. Sempre precisei contar com referências anteriores ou com a experiência sensorial, literalmente “metendo a mão na massa” e precariamente inferindo se o percentual estava ótimo ou se precisava de meio por cento pra mais, pra menos. Claro que existem limites conhecidos, mas a maior parte do trabalho é táctil-visual e/ou por dedução geométrica sobre uma base de dados anterior. O diabo é justamente quando não se tem dados anteriores, nem a chance de estar presente no estudo experimental...
 

A Companhia em que eu trabalho está em franco processo de expansão. As distâncias ficam maiores, os deslocamentos mais caros e os prazos mais curtos. Comecei a precisar delegar a realização de experimentos planejados em BH para serem consumados em Recife, Natal ou mais ao norte. E quando se passa muito tempo fazendo com as próprias mãos é difícil enxergar com qualidade pelos olhos de outra pessoa. Então, na fase de planejamento eu precisava de uma fórmula mágica para solucionar o problema do teor de argamassa.

 
A solução que escolhi foi olhar para o passado. Eu tinha a minha disposição uma invejável coleção de dados referentes a 11 anos de formulações de concreto com os mais diferentes e variados tipos de matéria prima, para concretos de múltiplas finalidades, características, comportamentos. Era só uma questão de enxergar dentro de uma miríade tridimensional de milhares de valores as relações estáveis entre o Teor de Argamassa e parâmetros obtidos facilmente por ensaio de matéria prima ou leitura do projeto estrutural. E, por maiores que sejam as variações, em se tratando de concreto sempre se acha uma relação matemática entre os parâmetros. As principais relações que eu consegui quantificar em minhas noites paranoicas super-cafeinadas se referem aos comportamentos seguintes:

 
·        Quanto menor o módulo de finura da areia, menor será o Teor de Argamassa ideal;

·        A medida que o teor de materiais finos (menores que areia) se eleva, o Teor de Argamassa se reduz, até atingir um valor crítico em que precisa voltar a subir, com uma taxa de variação diferente;

·        Quando o teor de Argamassa é adequado à finura da areia, a variação do consumo de água entre areias de diferentes módulos de finura é muito menor que o esperado (confirmando uma valiosa dica que recebi de um leitor deste blog, o senhor Cristiano Florentino, no texto “O modulo de finura da areia e sua influência sobre o consumo de água do concreto”);

·        O fator água cimento afeta a relação entre o Teor de Argamassa e o consumo de finos, porque o cimento é um tipo de material fino mais representativo que os pulverulentos inertes.
 

Por outro lado, graças às referências que me foram ensinadas pelo Eng.º Hugo Renato Monteiro, consegui deduzir experimentalmente referências que corrigem o Teor de Argamassa conforme a granulometria da brita e o slump do traço. Junto com outras destas referências, eu as batizei de “Constantes Monteiro”, pequenos “teoremas” que se somam à teoria raiz, corrigindo e customizando o valor. Depois, juntando uma excelente ideia do Eng.º Marcelo Singulani com uma linha de pesquisa de concretos especiais, consegui enxergar uma maneira simples de considerar a forma e textura da brita na teoria. Pronto! Eu tinha nas mãos a equação mais feia, medonha e cheia de penduricalhos da história da tecnologia de concreto. Mas estranhamente eficiente!

 
Então, queridos leitores, além de contar uma estória e me gabar pelo trabalho de força bruta, contornando a pura incompetência técnica, este texto também tem a finalidade de chamar a atenção para a importância do proporcionamento entre os agregados. Encontrar o número correto é uma questão de qualidade e economia. Oportunidades de melhoria por vezes podem estar obscurecidas por juízos de valor ou pela simples falta de experiência, da qual compartilho, mesmo após 11 anos de militância. Forte abraço!
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